quinta-feira, 21 de abril de 2016

Autópsia

Morri, de repente 
A alma, ausente 
O corpo, presente
De costas planas, cá estou estirado 
Coberto por um fino e alvo lençol 
Pensamentos banhados em formol 
E o restante, deteriorado 

De tudo, nada se aproveita em mim
Pâncreas, rins, fígado, estômago 
Os dias de embriaguez sem fim
Trouxeram-lhes permanente estrago
O sangue que trafega por artérias e veias 
Irriga meus órgãos cobertos por teias
Rígido e frágil está meu par de braços 
Que não fazem mais laços naqueles abraços 
Frouxas e bambas estão minhas pernas 
Por suportar o peso de angústias eternas 

Minhas narinas estão surdas 
Meus ouvidos, entupidos 
Perfume adocicado, palavras cálidas 
Desnorteiam por completo os meus sentidos 
Minha língua, seca, não sentiu o gosto do amor 
Meu genital, frio, não gozou da troca de calor 
E meus olhos, veja, nada enxergam 
Não avistam os infortúnios que me cercam 
As imagens nascem nessa densa massa rugosa 
Lembranças, ilusões e sonhos cor-de-rosa 
E uma questão ainda me intriga:
Se meu coração nunca bateu tanto antes 
Encarando tal conflito com unhas e dentes 
Por quê somente ele sai ferido nessa briga? 


Por isso, suplico: Nenhuma doação!
Enterrem esse corpo finado, montante pífio 
Sem a necessidade de adornos no caixão
Na lápide, grave o seguinte epitáfio:
"Doou-se por completo 
Aqui jaz todo o resto".



Edilson Filho

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