Morri, de repente
A alma, ausente
O corpo, presente
De costas planas, cá estou estirado
Coberto por um fino e alvo lençol
Pensamentos banhados em formol
E o restante, deteriorado
De tudo, nada se aproveita em mim
Pâncreas, rins, fígado, estômago
Os dias de embriaguez sem fim
Trouxeram-lhes permanente estrago
O sangue que trafega por artérias e veias
Irriga meus órgãos cobertos por teias
Rígido e frágil está meu par de braços
Que não fazem mais laços naqueles abraços
Frouxas e bambas estão minhas pernas
Por suportar o peso de angústias eternas
Minhas narinas estão surdas
Meus ouvidos, entupidos
Perfume adocicado, palavras cálidas
Desnorteiam por completo os meus sentidos
Minha língua, seca, não sentiu o gosto do amor
Meu genital, frio, não gozou da troca de calor
E meus olhos, veja, nada enxergam
Não avistam os infortúnios que me cercam
As imagens nascem nessa densa massa rugosa
Lembranças, ilusões e sonhos cor-de-rosa
E uma questão ainda me intriga:
Se meu coração nunca bateu tanto antes
Encarando tal conflito com unhas e dentes
Por quê somente ele sai ferido nessa briga?
Por isso, suplico: Nenhuma doação!
Enterrem esse corpo finado, montante pífio
Sem a necessidade de adornos no caixão
Na lápide, grave o seguinte epitáfio:
"Doou-se por completo
Aqui jaz todo o resto".
Edilson Filho